Com a crescente conscientização sobre a diversidade e a inclusão, a linguagem neutra vem ganhando força e espaço nos meios de comunicação. Muitas empresas e grandes organizações já criam conteúdos mais inclusivos desde o momento de sua concepção, pensando na escrita e em como evitar o uso de gêneros específicos. Porém, ainda na língua portuguesa, pouco se tem definido sobre os padrões para seu uso e isso complica o trabalho do tradutor.
O STF do Brasil já adotou medidas para incluir a linguagem neutra em documentos oficiais. A norma sugere o uso de pronomes neutros e outras formas inclusivas de se referir às pessoas com identidades de gênero não-binárias.
Apesar de todos esses avanços, ainda há grande resistência por parte de muita gente, pois a linguagem neutra pode ser de difícil compreensão para algumas pessoas (deficientes intelectuais que usam tecnologias assistivas, por exemplo). Além disso, pode causar estranhamento se traduzida de maneira incorreta.
Uma das formas de utilizar a linguagem neutra é trocar as vogais “a” e “o”, dos finais das palavras que determinam gênero, pelas vogais neutras “e” ou “u”. Por exemplo: “todos” e “eles” ficariam “todes” e “elus” se referindo a todas as pessoas.
Outra forma menos utilizada é trocar “a” e “o” pelo símbolo “@” ou pela letra “x”, por exemplo: tod@s ou todxs. Acontece que esses formatos são os menos aceitos hoje em dia, pois dificultam a leitura e a fala, uma vez que @ e x em algumas palavras não tem som, como no exemplo citado.
No inglês, o pronome “they” (eles/elas) é utilizado em situações em que o gênero do sujeito não é determinado. Por exemplo: They is a great person (elu é uma ótima pessoa).
Quando traduzimos, temos que pensar que como agentes de comunicação que somos, devemos sempre nos preocupar para que a mensagem chegue de forma clara ao público-alvo e inclua todas as pessoas. Na série de comédia americana, “O Método Kominsky”, dirigida por Chuck Lorre e disponível na Netflix, na temporada 3, capítulo 19, temos uma cena entre Morgan Freeman e uma das alunas de teatro de Sandy, eles estão em um set de filmagens, fazendo uma gravação, e fazem uso da linguagem neutra. Veja abaixo as diferenças na forma como essas questões foram tratadas na tradução para legenda e dublagem:
Original: How is it going with your daughter moving back in? – Gênero feminino
Dublagem: Como está a sua filha morando de volta com você?
Legenda em PTBR: Como está sendo, com a sua filha de volta?
Original: My child. – Gênero neutro
Dublagem: Meu fruto.
Legenda em PTBR: Minhe filhe.
Original: Sorry, your child. – Gênero neutro
Dublagem: Desculpa, seu fruto.
Legenda em PTBR: Desculpe. Sue filhe.
Original: Well, you know, it’s hard work, but I love being a grand zaza. – Gênero neutro
Dublagem: Não tem sido fácil, mas eu adoro ser avoe.
Legenda em PTBR: Bom, é difícil, mas eu adoraria ter ume nete.
Original: Being what?
Dublagem: Ser o quê?
Legenda em PTBR: Um o quê?
Original: Grand zaza. “Grandpa” is too gender specific. – Gênero neutro
Dublagem: Ser avoe, vovô tem gênero muito específico.
Legenda em PTBR: Ume nete. Não quero definir gêneros.
A língua é viva e ela evolui constantemente, por isso, nós tradutores devemos acompanhar essa evolução. Percebemos nitidamente que há desafios em torno da linguagem de gênero neutro, pois muitas palavras estão sendo criadas e/ou adaptadas para que todos os públicos se sintam incluídos e isso está acontecendo em todos os idiomas.
Descobrir essas novas formas de comunicação e saber lidar com elas é um desafio para os tradutores, uma vez que, não há regras claras que padronizem a melhor forma de uso, porém, independente das circunstâncias, o encanto da nossa profissão é comunicar e fazer com a mensagem chegue a todas as pessoas.